Carta ao Leitor

Virtudes – Fidelidade


Quando se fala em fidelidade, é comum se pensar no âmbito das relações conjugais, no sentido de que um membro do casal deveria ser fiel ao outro. Ou então, se exalta a fidelidade de nossos amigos caninos, que não importa o que aconteça jamais nos abandonam. Mas, apesar de estarmos mais acostumados a esses tipos de fidelidade, existem outras fidelidades, e é exatamente uma dessas outras que vamos analisar.

Muitas vezes tomamos nossas decisões a respeito de determinados assuntos. Pensamos, repensamos, refletimos sobre vários aspectos. Ao final de um tempo, pronto, a decisão está tomada. Uma decisão tomada com base naquilo que consideramos certo, naquilo que consideramos verdade.

No entanto, em determinados momentos difíceis, podem aparecer os questionamentos sobre essa verdade. E, muitas vezes, sem maiores reflexões a respeito do assunto, mudamos de rumo e tomamos novas decisões, totalmente contrárias às anteriores, sem nem ao menos tentarmos nos lembrar dos motivos que nos levaram àquela primeira decisão. Uma pequena pedra no caminho já pode colocar tudo a perder àqueles que não são fiéis, pois, às vezes, até se está no caminho correto, mas não se tem a maturidade de admitir que possam ocorrer pequenas falhas no percurso.

A virtude da fidelidade é uma virtude que requer memória. Para tê-la, é imprescindível se lembrar dos porquês. Nos momentos difíceis, em que parece que temos a obrigação de tomar uma nova decisão, me parece importante ter um pouco de fidelidade nesse sentido. Fidelidade a si próprio, fidelidade aos seus pensamentos e reflexões anteriores.

No entanto, fidelidade não é uma virtude que o torna imutável. Pelo contrário. Não se deve ter fidelidade a uma ideia fixa, mas à verdade que fundamenta essa ideia. Caso se tenha tomado uma decisão, devemos ser fiel aos seus fundamentos, não à decisão em si. Em outras palavras: a pessoa fiel à sua forma de pensar não se recusa a mudar de ideia ou a submeter suas ideias a questionamentos. Essa pessoa não é fiel ao dogma ou ao fanatismo. Fiel é a pessoa que só aceita mudar de ideia com boas e fortes razões, razões essas suficientemente coerentes para afastar aquilo que, no passado, foi profunda e racionalmente julgado. Sim, cometemos erros, e podemos mudar ao longo do caminho.

No MZ, acredito que um pouco de fidelidade pode fazer muito bem. Fidelidade acompanhada de um pouquinho de flexibilidade, na medida ideal para possibilitar novas reflexões sobre os assuntos. São incontáveis as vezes que já me deparei com dirigentes que, após pensar longamente sobre seu planejamento, se decidiram por seguir determinado rumo. No entanto, no meio do percurso, uma derrota dolorida gerou um sentimento tão negativo que, do nada, sem maiores reflexões, levaram o dirigente a mudar tudo, e levar tudo a perder. Caso típico de falta de fidelidade aos seus próprios pensamentos.

Quando se reavalia determinada decisão tomada no passado, é imprescindível tentar lembrar-se dos fundamentos que levaram à decisão. Decisões têm sim que serem colocadas à prova, a todo momento, mas não é a todo momento que devemos ficar mudando nossas decisões. Ter fidelidade a si próprio, confiar em suas análises e decisões passadas, é o tipo de fidelidade que protege o dirigente de tomar decisões por impulso. É fato: decisões repentinas e impensadas têm uma qualidade menor e podem levar tudo a perder.

Ao escolher um planejamento para seu time, avalie bem as opções e, após se decidir por uma dessas opções, avaliando profundamente os prós e os contras, seja fiel à sua decisão. Decisões assim, bem pensadas, o colocam no caminho das vitórias. E, caso você seja suficientemente virtuoso a ponto de ser fiel às suas decisões, certamente estará protegido de tomar decisões por impulso no meio do caminho.

A fidelidade ao pensamento te protege de fazer bobagens. E uma pitada de flexibilidade te protege de continuar fazendo bobagens, caso alguma decisão tenha sido tomara de forma errada (sim, nós somos humanos e podemos errar... admita isso!). Sejam fiéis a si mesmos, e não abandonem o barco quando qualquer coisinha der errado. O percurso do sucesso é feito de “altos e baixos”, e os “baixos” não significam que você não está no caminho certo.

PS: texto escrito com base nas ideias do livro “Pequeno Tratado das Grandes Virtudes”, de André Comte-Sponville.

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